segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Lia, dos cabelos negros


A pequena, pequena Lia retraída, entregue ao seu mundo de faz-de-conta, sozinha em seu quarto criando fantasias, sempre perdida em seus devaneios, mas apesar disso atenta ao mundo real, afinal de contas quem disse que criança não consegue compreender o mundinho dos adultos. A menina que em fotos, as vezes meio emburrada, com aquele ar: - Pô de novo, que saco!. Outras vezes, transmitindo simpatia, ou melhor dizendo, porque não na maioria das vezes, sim, pois, Lia, possui uma capacidade de alegrar todos ao seu redor, de uma maneira inexplicável, aquele seu sorriso tem um quê...irradia, inebria, ilumina. Imperdoavelmente só, aquela menina dos cabelos negros, capaz de conquistar a todos com seu inesquecível sorriso, através de sua timidez que intimida acaba por acabrunhar-se em mais um dia e noite de sonho só. Amanhece, todos em casa se preparam para a viagem, Lia, filha única, mal dormiu pensando na praia, local ainda desconhecido, mas já preferido daquela indiazinha, ou melhor, a moreninha, afinal odeia que a chamem de índia, fica muito brava. Ainda é cedo pra essa garotinha entender que ser chamada de índia é digno de honra, porque sê-la é guerreira, é bela, é única, é brasileira. Antes da partida, lá vem um senhor pela rua puxando um burro e um carneiro colorido e a menina e os seus pais, principalmente, logo imaginam, quem vem é o homem do retrato, que se achega conquistando-os. Então lá vai a caboclinha, montar no burro para mais uma foto de infância, toda corajosa, mas com medo de cair, mesmo assim agüentou firme, pois sempre gostou de animal de montaria, e em seus sonhos já se imaginou um cavalo selvagem e sozinho. Agora sim, após as fotos de família posada, vão todos para o carro a caminho do mar, onde a menina registra a cada cena como se fosse a mais importante de sua vida. E saindo da capital, começa a estrada, a descida da serra, as árvores nos montes encantam aquele pequeno ser (e se pergunta quem mora naquele lugar), que se deslumbra ao entrar nos túneis e sentir seus tímpanos se tamparem e seus olhinhos castanhos sem saber em qual direção se guiar, afinal é muita novidade. Ah, está chegando! Ela está sentindo o cheiro de maresia, o gosto do sal invadindo o seu paladar, definitivamente, essa mistura avassaladora, aconchegou-se em Lia, tomou-a sem pedir licença... Paixão e Amor, sim a primeira vista! Afinal aquela imensidão azul assusta e hipnotiza, violenta e acalma, com suas grandes ondas que de repente se desfazem, parecendo um encanto, mas é encanto perceber o quanto a doce menina se entrega em um momento tão único, crucial para saber o quão importante é a nossa vida. Os cabelos negros agora cobrem os seus olhos, culpa do vento que forte acaba por levar também a areia para os seus olhinhos, mas nem isso a desagrada, fica radiante com tudo até com essa irritação. Então acaba por se jogar na areia, molda-se a ela, se sente nela, parece que nasceu dali, ainda há mais para descobrir, sim o mar e lá vai correndo temerosa junto a ele, pois entendeu sem que lhe explicassem que deveria respeitá-lo, senão poderia ser engolida pelo gigante, como aquele criado em um de seus contos de faz de conta, e foi mas com cuidado e pisou na água como que pedindo licença para penetrá-lo e os seus pézinhos se deliciaram ao afundarem na areia e as ondas vinham batendo e puxando-a para frente, é aquele velho feitiço do mar nos testando, de repente virou-se para trás e correu, pulou fascinada na areia, esse êxtase da pequena enfeitiçava a todos presentes, fazendo-os talvez perceberem um pouquinho, o tal porquê da nossa existência.

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